Com a pandemia do novo coronavírus, as companhias de cruzeiro começaram a suspender suas operações mundiais na metade março. Com a decisão sem precedentes, uma situação inédita se desenhou: a totalidade da frota global inativa.
Em condições normais, navios de cruzeiro dificilmente ficam fora de serviço por períodos prolongados. Quando encerram temporada em um destino específico logo seguem para outro e já começam imediatamente itinerários nesta outra região. Na maior parte das vezes, mesmo o trecho entre os destinos é operado com passageiros.
Tendo como referência a temporada brasileira: assim que uma embarcação termina sua última viagem por aqui, embarca passageiros para cruzeiro rumo a Europa. No mesmo dia em que a viagem posicional acaba em um porto europeu, o navio já inicia seu primeiro cruzeiro pelo Velho Continente.
Ou seja, enquanto operando normalmente, um navio não chega a ficar mais de algumas horas sem passageiros a bordo, e sempre tem um roteiro ou itinerário a cumprir.
A única exceção costumam ser os períodos de manutenção obrigatória em estaleiro e de reformas em geral. Mesmo estes, no entanto, não são tão frequentes quanto pode parecer.
De acordo com regulamentações internacionais, quando novos, os navios de cruzeiro precisam ir para doca-seca uma vez a cada cinco anos. Após alguns ciclos, as paradas para manutenção são obrigatórias duas vezes em cada período de cinco anos.
Quando as companhias anunciaram a parada mundial de suas frotas, pela primeira vez na história todos navios se viram, pela primeira vez, sem passageiros, sem roteiro ou destino.
E agora?
Mesmo que os portos ao redor do mundo estivessem abertos sem restrições, seria difícil acomodar todos os navios que de repente pararam de operar comercialmente. As companhias de cruzeiro não contam com garagens ou hangares para recolher suas frotas, como ocorre com empresas de transporte terrestre e aéreo.
Um destino como o Caribe, por exemplo, recebe centenas de navios por temporada e conta com número de berços de atracação limitados. Mesmo utilizando portos base nos EUA a capacidade de berços é limitada e insuficiente.
Alguns navios seguiram para portos comerciais, que normalmente não recebem cruzeiros, mas estes não pararam sua atividade de carga e, dessa forma, podem ceder apenas alguns de seus berços.
Com as embarcações ‘órfãs’ e sem rumo, diversos aspectos operacionais que antes era realizados de forma imperceptível, vieram a tona. Um deles é a necessidade de períodos em navegação para produção de água potável e esvaziamento de tanques.
Para esclarecer algumas das situações trazidas pelo contexto, John Heald, o diretor de cruzeiro sênior e embaixador da marca na Carnival Cruise Line, conversou – virtualmente – com profissionais das operações marítimas de sua companhia.
Um dos entrevistados é o vice-presidente senior de operações marítimas da Carnival, Mark Jackson.
Segunda maior companhia de cruzeiros do mundo, a Carnival é parte do maior conglomerado do setor no mundo, a Carnival Corp. A empresa opera dez companhias diferentes, incluindo a Costa Crociere, que tem grande presença no Brasil. Dessa forma, as respostas refletem não apenas os 27 navios da CCL, mas também boa parte do mercado mundial.
Vice-presidente de operações marítimas esclarece procedimentos
Reproduzimos a seguir as perguntas e respostas mais relevantes da entrevista com Jackson, confira:
John: Os navios vão continuar com uma equipe de oficiais de deck e motores. As coisas mudaram para eles a bordo ou a operação segue praticamente a mesma?
Mark: As equipes a bordo continuam mantendo turnos de vigia na ponte. Entretanto, sem passageiros, há uma redução correspondente em certos tipos de manutenção, com menos equipamento em uso. Estou falando de fornos nas cozinhas, lavadoras de louça, máquinas de lavar roupa, ar condicionado, piscinas, jacuzzis e outros.
Além disso, os navios estão agora ancorados ou navegando em velocidade reduzida, então menos motores estão sendo usados, reduzindo significantemente as horas de uso destes motores e também das máquinas auxiliares. Isso reduz a necessidade de manutenção, o que possibilita diminuir a equipagem responsável pelas máquinas, mantendo altos níveis de segurança e confiabilidade.
John: As pessoas me perguntam constantemente a razão pela qual nossos navios não permanecem atracados em seus portos base. Você pode me explicar o motivo?
Mark: Os navios não estão ficando nos portos bases por diversos motivos. Um deles é a necessidade regular de trazer outros navios ao cais para abastecimento, desembarque de tripulação e embarque de provisões. Acabamos tendo que desatracar um navio para dar espaço a outro.
Além disso, os navios precisam navegar para uma área segura em alto mar, onde possam, legalmente, descarregar seus tanques de água cinza (aquela originária de chuveiros e pias usadas a bordo). Enquanto navegam, os navios também produzem água fresca para uso da tripulação.
Comandante descreve nova rotina e serviços sendo realizados a bordo
John Heald também entrevistou o comandante do Carnival Breeze, Rocco Lubrano. Um dos maiores navios da frota da Carnival, o Breeze não opera comercialmente desde 14 de março. Confira as perguntas mais relevantes da conversa com o comandante:
John: Muita gente tem imaginado o que está acontecendo a bordo dos navios nesse período de parada dos serviços. Você poderia descrever o que o Carnival Breeze tem feito todas as semanas, o que acontece quando o navio atraca e também o que ocorre quando vocês deixam o porto?
Rocco: No momento, estamos focando em atividades de manutenção e reparos que não seriam possíveis durante a operação regular. Alguns exemplos são a reforma na área de recreação aquática, nos bancos das piscinas, pintura do exterior do navio e, claro, no espaço do maquinário, com trabalhos essenciais.
John: Como é um dia típico para você neste momento? Você pode descrever o seu tempo a bordo na situação atual e o que isso envolve?
Rocco: Mesmo que o navio não tenha hóspedes a bordo, ele continua totalmente operacional, com treinamentos de segurança e manutenção de sistemas programada, de acordo com os padrões exigidos pelo SOLAS (o código de segurança em alto mar da Organização Marítima Internacional) e nossa política HESS (práticas de saúde, meio ambiente, segurança e sustentabilidade da Carnival Corporation).
Esse momento difícil acrescentou também algumas novas diretrizes e procedimentos para nossa equipe. Elas estão sendo atualizadas constantemente e meu trabalho é certificar que toda a equipe se mantenha bem informada sobre isso.
Estou ocupado realizando rondas pelo navio, me certificando de que toda a equipe esteja recebendo o suporte correto de nossa parte. Esse é um aspecto essencial do meu trabalho. Minhas maiores responsabilidades seguem sendo a saúde, a segurança e o meio ambiente, além do bem-estar da minha tripulação e a segurança de meu navio.
John: Você está sempre envolvido com os passageiros e sei como gosta de interagir com eles e o quanto eles apreciam este relacionamento (…) Como tem sido vivenciar o navio sem hóspedes?
Rocco: É bem estranho e triste andar pela promenade e ver os lounges vazios, a área da piscina vazia, ninguém nas piscinas e jacuzzis. Também não ouvir o som dos shows no teatro principal, ou das risadas no comedy club. Nossa esperança é que o navio volte ao serviço muito em breve e que seja ainda melhor do que antes.
John: Nós estamos cientes de que as regras de distanciamento social são válidas mesmo a bordo e definem que as pessoas devem permanecer a pelo menos 2 metros de distância umas das outras. Você está aplicando isso em seu navio?
Rocco: Nossa equipe percebe e entende a grande importância dessa regra. Essa prática foi aplicada praticamente em todos os locais do mundo, inclusive a bordo do Carnival Breeze.
Para vice-presidente de operações de hotel, objetivo maior é a repatriação de tripulantes
Outro entrevistado por Heald foi o vice-presidente senior de operações de hotel da Carnival, Richard Morse. O setor comandando por ele foi um dos mais afetados pela suspensão dos embarques.
Sob a responsabilidade de Morse estão restaurantes, excursões, alimentos e bebidas no geral, entretenimento, limpeza e atendimento ao cliente a bordo. Sem passageiros, todos os serviços estão total ou parcialmente suspensos.
John: Você pode compartilhar conosco alguns dos maiores desafios que os seus departamentos tem enfrentado?
Richard: A equipe a bordo tem sido fantástica. Posso garantir que estamos cuidando de nosso mais valioso ativo. Mantendo nossa tripulação saudável e em segurança é nossa maior prioridade. Estamos atualmente trabalhando para repatriar os membros de nossa equipe, os mandando de volta para suas casas para que possam passar a pausa nas operações com suas famílias.
Como vocês devem saber, estamos no processo de mandar nossos navios para as Filipinas, Indonésia, Índia, Europa Oriental e Ocidental, Caribe e então América do Sul para levas nossa equipe para suas casas. A tarefa tem se mostrado bem complicada, mas estamos compromissados em realizá-la. Nossa excelência operacional está realmente brilhando neste momento.
John: Quando pensarmos em realizar cruzeiros de novo, existirão coisas que precisarão mudar, naturalmente. Sei que você ainda não tem autorização para discuti-las. No entanto, você tem uma mensagem para as milhares de pessoas que vão ler essa entrevista enquanto, desesperadamente, sonham em voltar a navegar (…)?
Richard: Mudanças serão feitas aos cruzeiros para nos adaptarmos ao ‘novo normal’. Todos os negócios terão que mudar para continuar relevantes e atender as necessidades dos consumidores. Eu garanto que nós estamos trabalhando duro para desenvolver planos que preservem a diversão a bordo, equilibrando-a com as novas expectativas dos hospedes.
Recebo mensagens semanalmente de membros das equipes de toda a frota. Ontem, recebi uma nota de Jan Niro, camareira a bordo do Carnival Liberty. Sua saudação final foi ‘eu amo a Carnival’.
Desde a realização das entrevistas, a Carnival teve de adiar seu retorno aos mares algumas vezes. No momento, a companhia tem um plano de reativação gradual da frota, que começa com oito navios a partir de 1 de agosto.
Além disso, boa parte da frota foi empregada em viagens de repatriação, incluindo o Carnival Breeze de Rocco Lubrano. O navio se encontra atualmente no leste europeu, mandando para casa tripulantes da região. Já o Carnival Liberty, da camareira Jan, se encontra na África do Sul, também levando para casa os locais.
Como grande admirador e usuário, realmente sonho em voltar a bordo logo que tudo se normalizar, provavelmente dentro de novos parâmetros. Muito interessante esse texto!
Olá aqui é a Betânia Da Silva, eu gostei muito do seu artigo seu conteúdo vem me ajudando bastante, muito obrigada.
Estava pesquisando na internet e vi seu Blog. Achei o conteúdo muito bom! Parabens!! Dr. Sammy