Milton Sergio Sanches morreu aos 78 anos no último dia 15, na cidade de São Paulo. Pioneiro na operação de cruzeiros no Brasil, Sanches acumulava uma trajetória de mais de quase quatro décadas no setor de turismo.
Um dos responsáveis pela introdução das temporadas nacionais como conhecemos hoje, o executivo foi o fundador da BCR e esteve por trás do departamento de cruzeiros marítimos da CVC.
Em sua vida profissional, ainda passou pela Mappin Turismo e foi o único a viabilizar visitas regulares de navios de cruzeiro em Fernando de Noronha.
Primeiros cruzeiros no Brasil e a BCR
Sanches relembrou sua trajetória no turismo em entrevista ao Brasilturis Jornal, em setembro de 2020. Após iniciar sua carreira na área como diretor-executivo da Mappin Turismo, o profissional teve papel fundamental na criação do mercado de cruzeiros brasileiro moderno.
“Nós vendíamos muitos cruzeiros para o Caribe, Europe e Grécia. Eu tinha um sonho, que era ter cruzeiros marítimos também na costa brasileira”, relembrou Sanches na entrevista.
“Desde 1988, eu comecei a desenvolver e estudar projetos em conjunto com algumas operadoras do mercado nesse sentido”, acrescentou.
O plano, porém, esbarrava na Constituição Brasileira da época, que proibia operações de cabotagem no litoral brasileiro em navios de bandeira estrangeira.
“Mas eu dizia que tínhamos que tentar e persistir mesmo assim. Ficamos praticamente um ano trabalhando a ideia”, disse Sanches, citando duas operações que acabaram sendo frustradas pela situação.
O executivo havia planejado operar o Vasco da Gama, da Arcalia Shipping, em itinerários que ligavam Santos a Manaus e também em cruzeiros para o arquipélago Fernando de Noronha.
Diante das indefinições no Brasil, no entanto, a embarcação – que tinha capacidade para cerca de 660 passageiros – foi dedicada a outros roteiros internacionais.
“Nos sobrou, de última hora, o navio Funchal e revolvemos operá-lo. Só conseguimos porque conhecíamos o Presidente da República na época, Fernando Collor de Mellor”, disse.
Sanches explicou que havia conhecido Collor quando o político ainda servia como Governador de Alagoas e premiou a Mappin Turismo por suas vendas de pacotes de turismo ao estado.
“Ele disse: eu dou uma autorização especial para cabotagem, desde que vocês incluam Maceió no roteiro. Nós concordamos, incluímos Maceió e começamos a fazer cruzeiros a partir do Natal de 1990, com Recife, Maceió e Fernando de Noronha – onde o navio ficava dois ou três dias”, explicou.
As temporadas foram realizada inicialmente pela Mappin, em parceria com outras operadoras. Após três anos, no entanto, a empresa resolveu desistir do negócio.
Ao assumir integralmente a operação, Sanches criou a BCR – Brazilian Cruise Representation, empresa que acabou se tornando pioneira na realização dos cruzeiros de cabotagem no Brasil.
O Funchal, que tem capacidade para cerca de 500 passageiros e, na época, também era de propriedade da Arcalia Shipping, seguiu realizando temporadas no Brasil até 2002.
Fretando navios para sua operação local, a BCR também trouxe ao país o Princess Danae, companheiro de frota da Funchal na Europa, além do próprio Vasco da Gama.
A empresa chegou a operar cruzeiros nacionais também durante o inverno brasileiro. Em sua passagem pelo país, o Vasco da Gama, por exemplo, navegou pelo Nordeste entre os meses de julho e setembro de 1991.
Após parceria com a norte-americana Premier Cruises, a BCR se internacionalizou, operando ainda cruzeiros pelo sul do Caribe. Em 1995, a empresa levou mais de 20 mil brasileiros para o roteiro, que dispensava visto norte-americano.
Em 1997, a BCR ainda trouxe ao Brasil, o Rembrandt, então operado pela Premier. Na época, a embarcação se tornou a maior a operar em águas nacionais, com suas 38 mil toneladas e capacidade para cerca de 1,4 mil passageiros.
Um dos mais famosos navios de sua geração, o Rembrandt havia sido recentemente vendido pela Holland America Line, companhia para a qual tinha operado desde seu comissionamento no final dos anos 1950.
Durante sua passagem pelo Brasil, o ex-Rotterdam operou cruzeiros partindo de Santos para destinos como Vitória, Itajaí e Angra dos Reis, além de Buenos Aires, na Argentina, e Punta del Este, no Uruguai. O navio ainda passou pelo Nordeste, escalando Fernando de Noronha, Recife, Maceió, Salvador e Ilhéus.
Lançamento de destinos
Sanches se orgulhava de ter aberto diversos destinos para os cruzeiros no Brasil, com a BCR tendo feito as primeiras escalas em boa parte das cidades que hoje são regulares nos itinerários dos navios.
“Fomos os únicos a lançar a maioria dos destinos de cruzeiro do Brasil, desde Amazônia, em que lançamos destinos novos como Parintins, ao Nordeste, com portos como Natal, Ilhéus, Morro de São Paulo e Porto Seguro”, contou ao Brasilturis na mesma entrevista de 2020.
“Eram operações difíceis, já que o navio tinha que ficar fundeado. Nem sempre havia local de atracação. A costa brasileira é muito grande, são 8500 km de litoral. Mas são poucos os lugares em que você tem abrigo e um porto para o navio atracar. Proporcionalmente, há muito mais locais onde o navio fica ancorado”, acrescentou.
Outro diferencial da empresa era sua atuação em Fernando de Noronha: entre 1990 e 2003, a BCR foi a única companhia de cruzeiros a passar pela arquipélago pernambucano.
CVC e volta da BCR
Em 2002, após romper relações com a Arcalia Shipping – empresa que depois se tornou a Classic International Cruises -, Sanches foi convidado por Guilherme Paulus para montar o departamento de cruzeiros marítimos da CVC.
Foi a partir daí que a empresa começou a operar suas próprias temporadas, fretando navios de companhias como a Pullmantur, a Iberojet e a Louis.
“Começamos em 2002 com dois navios. Três anos depois, conseguimos a liderança do mercado, que seguiu até 2010, quando foi ultrapassada pela MSC que se agigantou”, contou Sanches ao Brasilturis.
“Foi uma briga muito interessante, nós chegamos a ter sete navios em uma temporada brasileira. Uma loucura de operação, inaugurando portos em todos os lugares, como Itajaí, São Francisco do Sul”, disse.
No período, a CVC realizou cruzeiros em toda a costa leste da América do Sul, da Amazônia à Patagônia.
Após deixar a empresa, Sanches relançou a BCR na temporada 2013/2014, retomando os itinerários rumo a Fernando de Noronha que já não vinham mais sendo realizados.
A operação, no entanto, durou pouco. Após problemas com o navio escolhido para os roteiros, a empresa foi obrigada a cancelar a maior parte de suas saídas previstas.
Alguns anos depois, Sanches ainda se uniu à investidores argentinos para lançar uma nova companhia de cruzeiro sul-americana que pretendia realizar cruzeiros na região durante o ano todo, a Pampa Cruises.
O projeto foi anunciado primeiro pelo Portal World Cruises, em entrevista exclusiva publicada em abril de 2018, mas acabou não indo para a frente.
Mais uma vez, a dificuldade em encontrar um navio ideal – e disponível a custo adequado – foi determinante para encerrar a operação.
Texto (©) Copyright Daniel Capella (com entrevista de Brasilturis) / Imagens (©) Copyright Milton Sanches, Governo da Paraíba, Administração de Fernando de Noronha e Daniel Capella