A “diversidade” e o trabalho a bordo dos navios de cruzeiros

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Por João Fabrício Brito*

As novas gerações estão mudando profundamente os cenários do mercado de trabalho em todo o mundo. Novos profissionais, cada vez mais arrojados, curiosos, inquietos e criativos se expressam e se posicionam sem as angústias e os medos do passado. Diversidade tornou-se pauta dentro e fora das organizações. As redes sociais escancaram vozes e incentivaram reflexões sobre direitos humanos, respeito, acessibilidade, preconceitos e empatia. Sobretudo nas empresas. Mas nem sempre foi assim.

No passado, alguns gays e lésbicas acabaram encontrando refúgio das perseguições, discriminação e violências contra pessoas LGBTQI+ em navios de cruzeiro. Considerados locais de trabalho que proporcionavam segurança e “certa” tranquilidade, os navios que ofereciam oportunidades em alto-mar ajudavam a driblar o ódio, as ameaças e a difícil dor da não aceitação dentro da própria casa. Era comum ouvir relatos de muitos tripulantes a bordo que embarcavam para “fugir” da tristeza e da desmotivação em terra firme.

Gustavo Borges, 27 anos, que atualmente mora em Atlanta, nos Estados Unidos e tem uma microempresa de operações logísticas, embarcou em 2014 como animador na empresa Costa Cruzeiros. Sempre teve sua sexualidade muito bem definida, porém, na época que embarcou estava cansado de tanta discriminação e de ver tudo que o Brasil fazia (e ainda faz) de errado contra seus próprios cidadãos.

Gustavo Borges durante procedimento de embarque para hóspedes do navio Costa Deliziosa

“Minha família sempre foi uma família muito boa. Eu venho de uma família que meus bisavós foram para a Universidade, então eu fui feliz nessa relação. Porém, eu sei que está dentro da cabeça das pessoas não é o que elas mostram. Uma das coisas que me fez sair do Brasil foi o fato de eu não ter coragem de assumir a minha sexualidade, sobretudo por conta do meu avô que morreu sem eu ter falado com ele sobre quem eu sou. Minha mãe sempre me entendeu, não no começo quando eu sai do armário, mas sempre me apoiou e me ama. Mas eu sei que eu tenho familiares que saem de perto quando eu estou presente”, conta Gustavo.

“A vida a bordo me trouxe muitas coisas; felicidade, sabedoria, o saber lidar com pessoas de diferentes culturas e aceitar o que é diferente, né? Porque o brasileiro tem um problema, todos nós, que é intrínseco. Nós falamos que nós aceitamos, que somos abertos, mas, na realidade, poucas pessoas são desta forma. Quando eu embarquei já sabia inglês. Eu aprendi italiano, aprendi um pouco de francês. Para mim foi muito fácil. Foi muito bom sair do Brasil e entender que você pode deixar tudo para trás e ter uma vida muito melhor”, afirma.

“Ficar no Brasil foi sempre andar para trás para mim. A primeira vez que sai do Brasil eu tinha 17 anos, fiz o meu intercambio estudantil. Voltei, parecia que eu tinha voltado 300 anos para trás. Mudei para Santos para tentar sair interior, mas não melhorou muito. Comecei a ver esse movimento do trabalho a bordo, as escolas, as agências e resolvi embarcar. Foi o que me deixou muito tranquilo quando eu decidi sair do país. Saber que as minhas oportunidades seriam muito melhor em qualquer lugar que eu escolhesse ir.”

Passear por Veneza nos períodos de folga era uma das atividades preferidas de Gustavo

Atualmente o cenário é outro. Foi-se o tempo em que os talentos LGBTQI+ brasileiros que encontrávamos a bordo estavam fugindo de alguma situação indevida por aqui. Embora no passado grande parte das companhias marítimas ainda não estivesse preparada para lidar com a questão da diversidade, ainda assim, os navios eram seguros, divertidos e excelentes espaços de tranquilidade.

Hoje trilhamos um caminho sem volta. Com pessoas muito mais bem resolvidas com as questões referentes à orientação sexual ou identidade de gênero. É justamente sobre a segunda questão que gostaria de falar. Fala-se muito em priorizar a diversidade nas empresas como necessidade de um mercado cada vez mais digno, global, sem fronteiras, justo e plural. Porém, pouco se fala e se vê sobre oportunidades para pessoas Trans (Travestis, mulheres e homens Trans e pessoas Trans não-binárias), a bordo dos cruzeiros marítimos.

O Brasil é considerado o país que mais mata Travestis e Transexuais no mundo. A segunda causa de morte desta população é o suicídio. A vida média de uma pessoa Trans é de apenas 35 anos. Infelizmente, quase todos (as) são expulsos (as) de casa muito cedo, ainda na adolescência. A eles (as) resta, quase sempre, a prostituição, uma vez que quase todos os mercados de trabalho ainda não os (as) aceita.

Gustavo feliz da vida durante passagem do seu navio pela bela Santorini na Grécia

A santista Thays Villar, 37 anos, atriz e fotógrafa trabalhou a bordo entre 2008 e 2011 antes de sua transição. A bordo ela não conheceu nenhum transexual. “Há algum tempo eu tinha vontade de voltar a trabalhar a bordo. Acredito que ao oferecer o trabalho de uma pessoa transexual às armadoras de navios, as agências recrutadoras terão de expor essa condição, pois ainda que as companhias sejam oriundas de países onde o preconceito é menor que no Brasil, por exemplo, esse tipo de contração não é habitual nas companhias”, conta a ex-tripulante.

Precisamos falar desta população específica e, para isso, “pegar carona” nas discussões e reflexões propostas durante o Mês do Orgulho LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex) é fundamental. Obviamente, falar e pensar nesta questão somente durante o mês de junho é ignorância. É imprescindível recordar, todos os dias, que o Brasil é considerado o país que mais mata Travestis e Transexuais no mundo. Isso é grave!

“Cabe principalmente pensarmos sobre a acessibilidade de pessoas Trans às qualificações exigidas por esse mercado, como o domínio de outros idiomas e experiência de trabalho relevante na área a ser aplicada. No Brasil sabemos que há um percentual muito pequeno de mulheres transexuais, por exemplo, que não tenham que recorrer à prostituição para sobreviver e essa realidade geralmente deixa muito distante outras perspectivas de desenvolvimento profissional.”, declara Thays.

Incluir pessoas diferentes não é ser diverso. Cumprir lei também não. Ser diverso é ter foco no que a diversidade agregará como resultado e buscar bons candidatos em diferentes lugares. É importante afirmar que gênero, raça, cor, deficiência, sexualidade e outros aspectos não definem competência. Diversidade auxilia na construção de empresas mais produtivas, arrojadas, com qualidade e bem-sucedidas. Diversidade não é filantropia. É evolução por meio de olhares de mundos e experiências diferentes.

Na realidade pouco é divulgado sobre a contratação de pessoas Trans para o mercado de cruzeiros marítimos. Homens e mulheres Trans contatados para falarem conosco preferiram não comentar o assunto. Muitos falaram das péssimas e trágicas experiências que tiveram com recrutadores (brasileiros e internacionais) que destruíram seus sonhos. A esperança é acreditar que a “onda” da diversidade nas organizações inunde os corações das armadoras e empresas de todo o planeta.

*João Fabrício Brito é educador, jornalista, empreendedor social, tripulante e idealizador do Projeto Social Tripulantes do Futuro. É também o mais novo colunista do Portal WorldCruises.com! No seu novo espaço, compartilhará experiências de sua vida a bordo, de seus entrevistados e dará muitas dicas para quem pretende embarcar. Aguardem, muitas novidades do setor vão desembarcar por aqui

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7 Comentários

  1. Excelente matéria. Fabrício e eu trabalhamos em parceria de 2010 a 2013. Conhecemos bem as angústias é incertezas de todos os tripulantes, em especial da comunidade LGBTQI+. Como Human Resources Manager e HR Officer, a bordo de navios das companhias MSC, Viking Ocean Cruises e Holland America Line, sou encarregada de treinamentos a bordo. O treinamento obrigatório é o Welcome Onboard, em que as regras e políticas das companhias são explicados. Um dos tópicos é sobre discriminação (relativa a nacionalidade, orientação sexual, cor da pele, religião, nacionalidade etc). Sempre enfatizo que todo e qualquer episódio de discriminação é investigado. Meu papel é ouvir cada denúncia e encaminhá-la ao alto comando. Uma vez comprovada a veracidade da situação, medidas disciplinares serão tomadas. É fundamental que toda a tripulação se sinta segura e estimulada a trabalhar em um ambiente harmonioso.

  2. Excelente matéria. Fabrício e eu trabalhamos em parceria de 2010 a 2013. Conhecemos bem as angústias é incertezas de todos os tripulantes, em especial da comunidade LGBTQI+. Como Human Resources Manager e HR Officer, a bordo de navios das companhias MSC, Viking Ocean Cruises e Holland America Line, sou encarregada de treinamentos a bordo. O treinamento obrigatório é o Welcome Onboard, em que as regras e políticas das companhias são explicados. Um dos tópicos é sobre discriminação (relativa a nacionalidade, orientação sexual, cor da pele, religião, nacionalidade etc). Sempre enfatizo que todo e qualquer episódio de discriminação é investigado. Uma vez comprovada a veracidade da situação, medidas disciplinares serão tomadas. É fundamental que toda a tripulação se sinta segura e estimulada a trabalhar em um ambiente harmonioso.

  3. Olá! Meu nome é Bruna, sou lésbica e namoro há três anos. Nós duas desenvolvemos esse interesse de trabalhar a bordo. Nossa dúvida é se há a possibilidade de trabalharmos juntas. Já li relatos de casais que conseguem, mas gostaria de mais informações. Você saberia informar sobre esse assunto? Obrigada, adorei o texto!

  4. Olá Bruna li sua pergunta irei responder pois sou tripulante há dez anos já, então a opção sexual da pessoa não interfere em nada , claro que vocês duas conseguiriam trabalhar a bordo, isso iria depender do seu nível de ingles para uma entrevista e a sua experiência na vaga que está aplicando, tem alguns curso que vc terá que realizar o stcw, O exame médico, se tudo estiver nos conformes e vc passar na entrevista , como eu disse antes a opção sexual não é levado em consideração, lá dentro somos todos iguais o que valerá é o seu rendimento profissional , indiferentemente de religião, cor , ou opção sexual .

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