Contaminação de praias, estuários e consequentemente rios, mangues e zonas costeiras como um todo. Estes e muitos outros perigos podem ser causados em razão da presença de óleo nos mares e oceanos. Retomando o que foi publicado no primeiro artigo da coluna, abordaremos neste e nos próximos, de forma mais aprofundada, sobre os potenciais tipos de poluição recriminados pela MARPOL 73/78 (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios), começando pela poluição por óleo.
Com imenso potencial para devastar ecossistemas inteiros, os óleos utilizados como combustível, lubrificante para máquinas, motores, turbinas e sistemas de propulsão em navios de grande porte, inclusive de cruzeiros, podem estar sujeitos a vazamentos decorrentes de suas atividades rotineiras ou até mesmo serem descartados de forma ilegal em alto mar. Atentem que não estamos afirmando aqui que todos os navios realizam esta prática incorreta. Mas há sim a possibilidade de que tal tipo de evento ocorra.
Tipos de combustíveis marítimos
Os óleos combustíveis marítimos possuem um aspecto muito diferenciado de outros, sendo classificados em duas modalidades: bunker ou MF (marine fuel); e diesel marítimo, conhecido também como DMA ou MGO (marine gasoil). São constituídos de uma mistura de substâncias provenientes do petróleo, portanto formados por um conjunto de compostos orgânicos, os hidrocarbonetos.
Ao entrar em contato diretamente tanto com o bunker como com o diesel marítimo, há exposição a um perigo carcinogênico. Ou seja, os dois óleos podem causar câncer, além de serem extremamente tóxicos e fatais se ingeridos. Seus derramamentos nos mares ocasionam a queda nos índices de oxigênio dissolvido em razão da película de óleo que se forma na superfície da água. Esta forma do gás é essencial para os seres vivos, que conseguem utilizá-lo de forma proveitosa em suas funções vitais.
Apresentando formulações químicas distintas, para diferenciá-los são considerados diversos aspectos físico-químicos, tais como ignição, ponto de fulgor, viscosidade, escoamento, solubilidade, massa específica, potencial de corrosão, entre outros. Teores de água e de diversos elementos químicos também são analisados, como os óxidos, dentre eles o de enxofre, liberado em forma particulada nas cinzas após a sua queima e sendo considerado um notável tipo de poluente do ar.
Perigos para o meio ambiente
Quando ocorre vazamento e/ou descarte de óleo por um navio em alto mar, o composto não fica restrito somente ao local do despejo. Enquanto uma parcela se deposita no fundo marinho, grande parte acaba sendo transportada através de correntes marítimas para outras localidades, muitas vezes bem distantes do ponto de origem. Com o movimento das águas, o poluente consegue então alcançar as regiões costeiras.
Uma das situações vistas como mais preocupantes é quando o óleo atinge os manguezais. Considerados zonas de transição entre os ecossistemas marinhos e terrestres por estarem associados aos estuários e às desembocaduras de rios, são tidos como os “berçários” da vida marinha.
Além das espécies nativas à este ecossistema, muitos outros peixes, crustáceos e moluscos se recolhem nessas regiões em época de reprodução, onde permanecem até a época em que suas crias já não necessitam mais dos cuidados parentais. E isso vale tanto para espécies marinhas como para aquelas que vivem em água doce, podendo afetar gravemente as populações de animais endêmicos de rios também.
Aves costeiras e marinhas, que possuem o hábito de mergulhar na água também podem sofrer consequências. A impregnação de óleo impede o bom funcionamento da regulação da sua temperatura corporal, pois as penas perdem a capacidade de impermeabilidade, levando a quadros severos de hipotermia e até mesmo a óbito.
Não podemos esquecer ainda das algas e plantas aquáticas, pois são uma fonte basal de alimentação para os ecossistemas marinhos. Se contaminadas podem agravar o quadro de intoxicação em muitos destes animais e consequentemente representar perigo à saúde das pessoas que venham a consumi-los, podendo ocasionar um grave problema de saúde pública.
Exigências feitas pela MARPOL 73/78
A preocupação em prevenir que desastres ambientais do gênero aconteçam foi abordada no anexo I do documento da convenção da MARPOL 73/78. No acordo há diversas condições a serem cumpridas pelos navios de países signatários com relação à: construção adequada dos tanques que abrigam o óleo combustível, revestimento de proteção destes compartimentos, manutenção de equipamentos e controle para a descarga do óleo.
É obrigatório que haja vistorias regularmente, e após isto receba um certificado IOPP – International Oil Pollution Prevention (Certificado Internacional de Prevenção da Poluição por Óleo), com validade de no máximo cinco anos. Todo navio ainda deve possuir um plano de emergência a postos, com ações que possibilitem a mitigação do problema, amenizando seus efeitos negativos.
Casos criminosos
Recentemente, um caso de vazamento de óleo ganhou grande repercussão no mundo. Em agosto de 2019, atingindo a costa da região nordeste e parte do sudeste do Brasil, o crime ambiental foi supostamente provocado pelo navio petroleiro grego Bouboulina.
A Marinha do Brasil estima que tenham sido coletadas aproximadamente 5 mil toneladas de petróleo das praias até dezembro. Os danos para o meio ambiente decorrentes do vazamento, no entanto, são ainda incalculáveis.
Dentre os casos envolvendo navios de cruzeiro, a Princess Cruises foi condenada em 2016 a pagar uma multa de 40 milhões de dólares por não cumprir diversos regulamentos da MARPOL. Além da multa, foi determinado que a companhia adotasse um Environmental Compliance Plan (ECP) – Plano de Conformidade Ambiental.
Mesmo após a condenação, houve reincidência de más condutas em 2017 e 2018. Tanto em navios da Princess (Diamond Princess e Sun Princess) quanto nos da Costa Crociere (Costa Luminosa) e da Holland America (Westerdam), todos pertencentes ao conglomerado da Carnival Corporation registraram infrações.
Houve diversas falsificações nos registros de treinamentos obrigatórios para a tripulação e em documentos que atestavam a realização das manutenções nos equipamentos. Foi constatada ainda a fraude em centrífuga separadora de óleo e água, em que o equipamento apresentava ausência de certas peças, essenciais para seu correto funcionamento.
Alternativas
Uma possibilidade para diminuir drasticamente o perigo de derramamento de óleo no mar é a utilização de combustíveis mais limpos, com o Gás Natural Liquefeito (GNL), adotado cada vez mais pelas companhias mercantes. Ao ser queimado, o GNL não emite enxofre na atmosfera, diferentemente do bunker e do diesel marítimo, considerados óleos combustíveis pesados.
Embora as maiores empresas do setor (Carnival Corporation, Royal Caribbean Cruises Ltd., Norwegian Cruise Line Holdings Ltd. e MSC Cruises) se preocupem em reduzir as emissões de enxofre no ar, estas continuam utilizando combustíveis pesados em larga escala. Ao investirem em sistemas de limpeza de óleo (scrubbers), cujo equipamento realiza a separação da fração de enxofre, há uma grande redução de emissão do poluente.
Tal alternativa é considerada mais barata do que apostar em utilizar o GNL, porém apresenta um perigo: o procedimento de separação gera um resíduo altamente pesado, um óleo muito mais “sujo” e tóxico do que era a princípio. Logo, o vazamento ou despejo deste novo produto representaria uma catástrofe ambiental maximizada.
Portanto, é imprescindível que as fiscalizações e punições sejam realizadas pelos órgãos competentes de maneira rigorosa, para que se evite ao máximo desastres deste tipo. Porque, afinal de contas, quem gostaria de viajar por um oceano doente pedindo socorro?
Texto (©) Copyright Natália Mendonça / Imagens (©) Copyright divulgação
Parabéns pela publicação, gostei muito, bem didática e o legal é que mesmo pra quem não é da área consegue entender.