Queima de combustível e seus passivos ambientais – parte 1

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O mercado de cruzeiros vem passando por grande expansão nos últimos anos. Apesar dos problemas recentes relacionados à pandemia de COVID-19, as grandes companhias seguem com grandes projetos e um número recorde de navios em encomenda para suas frotas. Projeções para navios cada vez maiores tem ganhado a preferência muito pela popularização mundial dessa forma de se fazer turismo.

No entanto, navios maiores tendem a consumir níveis mais elevados de combustíveis, o que é um grave problema se olharmos o aspecto ambiental da situação. Retomando o que foi falado nas publicações anteriores da coluna, a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, também conhecida como MARPOL 73/78 é de grande importância nesse aspecto.

Essa e a norma IMO 2020, que também será abordada mais adiante, orientam que certos combustíveis sejam substituídos por outros mais limpos, resultando em emissões menos danosas no ar.

Além disso, existe a necessidade de realizar-se adequações na parte funcional dos navios com objetivo de melhorá-los enquanto máquinas. Com sistemas de queima de combustíveis e filtragem melhores, as embarcações terão consequentemente maior eficiência energética. Assim, a modernização não é aplicada somente à parte de design e estética.

Queima de combustível e emissão de poluentes

Cada vez maiores, navios também consomem cada vez mais combustível (2)

Ao realizar a queima incompleta de um combustível – o que ocorre normalmente, diversas categorias de poluentes são lançadas na atmosfera, em sua forma particulada. As substâncias e quantidades emitidas dependem da escolha do combustível a ser utilizado, já que os óleos utilizados para este fim possuem diversas formulações químicas. Há duas categorias de óleos combustíveis: o bunker ou MF (marine fuel); e o diesel marítimo, conhecido também como DMA ou MGO (marine gasoil).

Além do dióxido de carbono (CO₂), extremamente visado nas campanhas de redução de emissão de poluentes, temos claras ameaças provocadas por outras substâncias. Igualmente de natureza gasosa, os óxidos de nitrogênio (NOx) e o dióxido de enxofre (SO₂) também fazem parte da composição das cinzas expelidas pelas chaminés.

Lembre-se que estes compostos também são originados através de fontes naturais, tais como pelo processo de respiração dos seres vivos (CO₂), atividades microbianas (CO₂ e NOx), vulcânicas (SO₂) e relativas a relâmpagos (NOx). Porém, se produzidos em excesso por meio de atividades humanas, podem representar imensos perigos para o equilíbrio ambiental. Funcionamento de indústrias, desmatamento de florestas e queima de lixo são alguns exemplos, além das emissões causadas pelos meios de transporte motorizados, como os navios.

Impactos resultantes das emissões 

A camada de ozônio

Camada de ozônio nos protege contra a radiação ultravioleta (3) 

Todos nós vivemos na troposfera, a primeira das cinco camadas que compõem a atmosfera do nosso planeta. Ao ocorrer uma emissão de NOx, a densidade deste grupo de poluentes se torna mais leve em pouquíssimo tempo. Isto ocorre em razão do calor emitido pelo solo terrestre, advindo primeiramente do Sol. Logo, os poluentes são carregados com facilidade para a estratosfera, a próxima camada da nossa atmosfera.

E é justamente na estratosfera que está a chamada camada de ozônio (O₃), situada entre 20 e 50 km de altitude. A esta distância da Terra, são encontradas as maiores concentrações desse gás, cerca de 90%, cuja função principal é filtrar alguns tipos de radiação solar. Dentre eles, a radiação ultravioleta, responsável por causar catarata, cegueira, melanoma e diversas outras formas de câncer de pele.

Os NOx, juntamente com os Clorofluorcarbonos (CFCs) e outros, degradam intensamente o O₃, sendo um dos principais causadores do famoso “buraco” na camada de ozônio. Na realidade, o “buraco” não é realmente um buraco, mas sim uma intensa redução nos níveis normais de O₃ na atmosfera.

O efeito estufa e o aquecimento global

Derretimento de geleiras afeta diversas espécies, além de causar inundações em zonas costeiras (4) 

Naturalmente, a Terra concentra gases na atmosfera que possibilitam a retenção de calor, fazendo com que a temperatura do planeta permita a existência de vida. Esse processo é o polêmico efeito estufa, visto com maus olhos pela maioria das pessoas. Porém, sem ele, a vida terrestre seria realmente impossível.

O problema é sua intensificação, causada pelo excesso de CO₂, NOx, SO₂ e outros gases poluentes. Com quantidades cada vez mais exorbitantes destes presentes na atmosfera, o calor fica retido além do necessário, causando a intensificação do aquecimento global. Este também é um processo natural do nosso planeta que as atividades humanas estão conseguindo comprovadamente gerar desequilíbrio.

Elevações nas temperaturas médias terrestres estão provocando derretimento de geleiras e, consequentemente, aumentando o nível do mar, inundando assim regiões próximas. Diversas espécies que habitam regiões polares e/ou dependem de regiões costeiras para se reproduzir se encontram em risco de extinção por conta dessa situação: tais como ursos polares, focas, pinguins e tartarugas; animais esses muito apreciados por quem realiza cruzeiros de expedição. Em contrapartida, regiões áridas se tornam cada vez mais áridas.

Implicações da má qualidade do ar

Poluentes lançados no ar são perigosos para a saúde dos seres vivos (5) 

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o SO₂ e os NOx são considerados indicadores da qualidade do ar. Estabelecidos assim pela Resolução CONAMA nº 491/2018, que entrou em substituição à equivalente de 1990, definindo os parâmetros para a qualidade do ar no Brasil.

O contato e a inalação de NOx e SO₂ é imensamente prejudicial à saúde de animais e seres humanos. Podem ocorrer doenças de pele, respiratórias (asma) pulmonares (bronquite, efisemas) e cardiovasculares (arteriosclerose).

Estes dois compostos, ao reagirem com vapor d’água presente no ar, formam a temida chuva ácida, que pode ser carregada pelo vento para outras localidades bem distantes do local de emissão. São capazes de comprometer o crescimento e desenvolvimento de plantas e florestas inteiras, sejam terrestres ou aquáticas, pois afetam os processos referentes à fotossíntese. Possuem o poder ainda de corroer monumentos, edificações e veículos, entre outras estruturas.

Acidificação dos oceanos

Estrelas e ouriços-do-mar tem formação de seus esqueletos prejudicada pelo fenômeno de acidificação (6)

Os oceanos têm seus processos dinâmicos totalmente influenciados pelo que acontece nos ares. Ambos funcionam de forma interligada e, portanto, um é extremamente sensível às mudanças que ocorrem no outro. Padrões de evaporação dos mares afetam índices de precipitação de chuvas, enquanto ventos influenciam na formação de ondas e correntes marinhas, por exemplo.

Deste modo, concentrações elevadas de poluentes no ar também interagem com o oceano, causando uma redução no seu pH, o que o torna mais ácido do que o desejável. O CO₂ ao entrar em contato com a água do mar se torna outra substância, o ácido carbônico (H₂CO₃). Este composto é capaz de corroer outro componente muito comum no ambiente oceânico, o carbonato de cálcio (CaCO₃).

O ácido ocorre normalmente nos oceanos, no entanto, seu excesso pode ser extremamente nocivo para organismos que são formados pelo CaCO₃. Corais e algas calcáreas, esqueletos de equinodermos, conchas de moluscos, carapaças de crustáceos entre outros acabam sofrendo corrosão e se tornam seriamente ameaçados. Aproximadamente, metade do CO₂ presente na atmosfera é absorvido pelos oceanos. Porém quando os níveis de absorção são extrapolados, devido ao aumento das concentrações, o poder corrosivo do H₂CO₃ é intensificado.

Branqueamento de corais

Recifes de coral abrigam diversas espécies (7) 

Diversas espécies encontram nos recifes de coral o habitat ideal para a sua reprodução e desenvolvimento. Populações inteiras de peixes, águas-vivas, esponjas, anêmonas, camarões, lagostas, estrelas, ouriços e pepinos-do-mar, polvos, ostras, mariscos se abrigam ou vivem associados a esse ecossistema. Tartarugas e golfinhos também se beneficiam desses ambientes.

Corais possuem variadas cores devido a presença de algas zooxantelas associadas a eles (8) Wiki Commons

Com o aumento da temperatura média das águas, há a desunião entre os corais e as algas zooxantelas, que vivem associados. Dessa forma, acontece o fenômeno de branqueamento, pois são justamente essas algas que propiciam deslumbrantes colorações a eles. Consequentemente, os corais se tornam brancos, frágeis e doentes, suscetíveis à morte. 

Assim, é possível observar que uma vastidão de seres marinhos sofre as consequências do chamado branqueamento de corais, muito viabilizado pelo aquecimento global, já abordado anteriormente. O turismo também acaba impactado negativamente, já que destinos próximos à recifes de coral fazem parte das rotas turísticas de diversas companhias de cruzeiro.

Altas temperaturas registradas nos oceanos causam o branqueamento dos corais e sua morte (9)

Agora que já vimos quais são os passivos ambientais que podem ser consequência da queima de combustível, falaremos das formas de mitigar este impacto.

A segunda parte deste post trará a regulamentação que busca evitar o prejuízo ambiental, além das ações específicas das companhias de cruzeiro para minimizar impacto e preservar o meio ambiente. 

Confira: 

Queima de combustível e seus passivos ambientais – parte 2

Texto (©) Copyright Natália Mendonça / Imagens (©) Copyright Daniel Capella (1 e 2), one94 por Pixabay (3), Wiki Commons (4 e 8), Jürgen Sieber por Pixabay (5), Wallpaper Flare (6), joakant por Pixabay (7) e Dominique Clain por Pixabay (9)

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