Na semana anterior, falamos sobre o lixo gerado a bordo, apresentando os perigos em potencial de seu descarte inadequado. Vimos, por exemplo, que o número de pessoas transportadas em um navio de cruzeiro pode ser comparado à população total de uma pequena cidade! Dessa forma, a atenção a esse ponto é essencial.
Agora vamos lhe mostrar os regimentos existentes para lidar com a geração e descarte de resíduos sólidos ao mar. Também mencionaremos as soluções encontradas pelas principais companhias, visando o bem estar ambiental. Confira a seguir!
Geração de lixo a bordo – parte 1: os problemas para o meio ambiente
Exigências da MARPOL
Já abordamos aqui na coluna, a MARPOL, Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, que possui diretrizes sobre a poluição causada por lixo. Instituída pela IMO (Organização Marítima Internacional) em 1973 e entrando em vigor apenas em 1978, a convenção impõe em seu anexo V um enfoque neste problema.
Segundo a convenção, navios de cruzeiro devem possuir um plano de gerenciamento de resíduos. Neste plano devem estar todos os procedimentos referentes a coleta, armazenamento, processamento e descarte do lixo, a ser cumpridos pela tripulação.
De acordo com a norma, é proibido lançar ao mar qualquer tipo de plástico. Porém, restos de comida, papeis, vidros, metais e louças podem ser descartados livremente a uma distância mínima de 12 milhas náuticas da terra mais próxima. Se o navio estiver próximo a uma plataforma offshore de extração de minérios, como o petróleo, deve-se manter uma distância mínima de 500 metros desta.
As áreas marítimas especiais e suas regras
A MARPOL considera a existência de oito áreas marítimas especiais ao redor do globo. São elas e suas adjacências: o Mar Mediterrâneo, o Mar Báltico, o Mar Negro, o Mar Vermelho, o Golfo Pérsico, o Mar do Norte, os mares na região da Antártica e a região do Grande Caribe, composta pelo Golfo do México e o Mar do Caribe.
Tais áreas são reconhecidas pelas suas importantes condições ecológicas e oceanográficas. Em razão disso, a convenção proíbe não somente o descarte de plástico ao mar nestas áreas, bem como todos os outros tipos de resíduos, exceto restos de comida. O descarte deve ser realizado também a distância mínima de 12 milhas náuticas da terra mais próxima.
A princípio, o lixo orgânico pode não parecer tão prejudicial quanto os outros tipos, mas ainda assim tem o poder de poluir e prejudicar a qualidade das águas. A realização de compostagem com esses restos de alimentos é uma boa alternativa. Com o processo, os resíduos são transformados em um tipo de fertilizante natural para o solo, fornecendo bons nutrientes para plantas.
Portos de países signatários, dentre eles o Brasil, EUA, Itália e China, devem possuir instalações adequadas de recebimento de lixo, gerado pelas embarcações que atracarem. Por outro lado, navios que tenham como destino a área marítima especial da Antártica devem ser capazes de armazenar todo o lixo gerado. O descarregamento dos resíduos deve ser realizado posteriormente à saída da área especial em questão, em alguma instalação de recebimento, localizada fora desta região.
As regras referentes ao descarte do lixo ao mar, de acordo com o explicado, devem estar claras tanto para tripulantes quanto para passageiros. Para isto, é necessário que cartazes sejam afixados em suas dependências, escritos no idioma de trabalho da tripulação.
Falhas na convenção
Embora seja louvável a existência destas diretrizes, é evidente que alguns pontos não foram devidamente pensados quando a MARPOL foi instituída.
Tanto nas áreas marítimas especiais quanto nas demais áreas oceânicas, os resíduos aprovados para descarte ao mar devem ser triturados. Para que o tamanho do fragmento possa ser considerado adequado, deve ser possível a sua passagem por uma tela com furos de 2,5 cm. Desse modo, ao ser fragmentado, o lixo tem seu tamanho reduzido. Mas ainda assim, é inquestionável o seu perigo, já que as águas ficam passíveis de serem poluídas e diversos organismos conseguem se alimentar destes fragmentos.
Outra falha é em relação à obrigatoriedade do cumprimento do anexo V, que faz referência à poluição por lixo. Somente os anexos I e II são obrigatórios: referentes à poluição por óleo e à poluição por substâncias líquidas nocivas transportadas a granel, respectivamente. Todos os outros quatro anexos, incluindo o V, são facultativos.
Comprometimento das principais companhias
As companhias de cruzeiro, no entanto, costumam não só seguir o anexo, como excedê-lo em alguns aspectos. A cada ano, 80,000 toneladas de papel, plástico, alumínio e vidro são recicladas por elas, segundo estimativas da CLIA (Associação Internacional de Linhas de Cruzeiro).
A associação ainda afirma que alguns navios de cruzeiro são capazes de reaproveitar 100% dos resíduos gerados a bordo. Devido a existência de planos de gestão de resíduos, a redução, reutilização, doação, reciclagem e/ou conversão em energia são opções viáveis nestas embarcações.
Periodicamente, a CLIA publica relatórios de sustentabilidade, informando índices de desempenho e metas ambientais. As informações abrangem não somente à gestão de resíduos, como também emissões de poluentes no ar e nas águas.
MSC Cruises
De acordo com a MSC Cruises, cada navio de sua frota possui um plano de gerenciamento de resíduos, que especifica as ações adequadas para cada tipo de lixo. A fim de garantir a aplicação do plano a bordo, todo navio possui ainda um Oficial Ambiental, encarregado de gerenciar e treinar a equipe responsável. Resíduos orgânicos e inorgânicos, incluindo plásticos, metais, papéis e vidros, são coletados e separados.
Em seguida, o lixo é submetido a um processo de compactação ou incinerado. O material compactado e os resíduos retidos no filtro do incinerador são, então, entregues às instalações de recebimento de lixo, localizadas nos portos. Embora pareça uma boa solução, é importante atentar ao fato de que muitos particulados tóxicos são lançados no ar ao incinerar o lixo. Dessa forma, é causada poluição na atmosfera, de forma semelhante a que ocorre na queima de combustíveis.
A companhia ainda afirma ter abolido os canudos de plástico, substituindo-os por canudos 100% compostáveis e biodegradáveis, fabricados à base de bambu, papel, milho ou açúcar. Plásticos de uso único – talheres, copos e embalagens, além dos próprios canudos – estão seguindo pelo mesmo caminho, sendo preteridos sempre que possível.
A MSC assegura que as práticas aplicadas visam reduzir, reutilizar e reciclar os resíduos gerados, além de cumprir todos os regimentos impostos pela MARPOL, no que diz respeito aos descartes.
Carnival Corporation
O programa de minimização de resíduos da Carnival Corporation inclui ações que também visam a redução, o reaproveitamento e a reciclagem dos resíduos. Maior conglomerado de cruzeiros do mundo, a Carnival administra, entre outras, a Costa Crociere, a Princess Cruises e a Cunard Line.
O volume dos resíduos é minimizado com a realização de compras a granel. Aliado ao trabalho feito junto aos fornecedores para reduzir o tamanho de embalagens, produtos alternativos são utilizados sempre que possível. Empilhações, triturações e incinerações de resíduos são praticadas. E aqui novamente o problema da incineração, citado no tópico anterior.
No entanto, a Carnival afirma que dá preferência à compra de produtos não tóxicos, de acordo com uma “lista de produtos químicos aprovados”. Há também a substituição de equipamentos antigos por novos, projetados para produtos não tóxicos.
Colchões e roupas em boas condições são doados em portos de escala ao redor do mundo. Tambores de suprimentos, confeccionados em plástico ou metal, são reutilizados como recipientes de lixo, descartando a necessidade de comprar o utensílio.
Além disso tudo, plástico, vidro, papel, metais, eletrônicos, cartuchos, baterias, lâmpadas fluorescentes, resíduos oleosos e óleo de cozinha usado são separados e entregues nos portos para a reciclagem.
Royal Caribbean Cruises Ltd.
O grupo – que reúne a Royal Caribbean, a Celebrity Cruises, a Azamara e outras três marcas – garante que 100% dos resíduos gerados a bordo são reaproveitados, reciclados ou convertidos em energia.
De acordo com dados divulgados abertamente, no ano de 2019, a Royal Caribbean Cruises Ltd. reciclou 21,3 mil toneladas de lixo produzido em seus navios. Esse dado representa um aumento de pouco mais de 160% referente a quantidade reciclada em 2007, ano em que se iniciaram os registros.
Segundo a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA), uma pessoa residente nos Estados Unidos gera em torno de 1,9 kg de resíduos sólidos por dia. Logo, o conglomerado reciclou no ano passado o equivalente a quantidade de lixo gerado por 11,2 milhões de pessoas em um único dia.
Esse número representa, aproximadamente, a população do munícipio de São Paulo, o maior do país, contando com pouco mais de 12 milhões de habitantes. Imagine todo o lixo gerado pela capital paulista em um único dia!
Medidas também foram tomadas pela Royal para que o consumo de plásticos de uso único fosse reduzido em seus navios. Em dois anos, foi alcançada uma redução estimada em 60%. Além disso, esforços são despendidos com os fornecedores, para que reduzam os materiais na confecção de embalagens, e sempre que possível utilizem recursos mais sustentáveis. Programas de doação são realizados, garantindo a reutilização de móveis, colchões, lençóis, toalhas e roupas em bom estado.
Norwegian Cruise Line Holdings Ltd.
Dizendo ter tolerância zero ao descarte de resíduos ao mar, a Norwegian Cruise Line Holdings Ltd. vai além das obrigatoriedades da MARPOL. Também possui um programa de gestão de resíduos, o qual garante a redução destes através da reutilização e reciclagem.
A companhia frisa que foi pioneira na reciclagem de óleo de cozinha usado. Através do processo, mais de 95% do óleo descartado é reciclado, se tornando um tipo de combustível biológico.
Doações de móveis e equipamentos são realizadas sempre que há reformas nos navios; roupas e alimentos também são doados. Eventos com enfoque nas limpezas de praias são reforçadas com a presença de membros da tripulação, durante todo o ano.
A importância dos 5 R’s
É de grande importância que as companhias continuem progressivamente com o ideal dos 3 R’s (reduzir, reutilizar e reciclar), visando uma maior sustentabilidade em suas ações. Porém, é essencial que sejam incluídas em suas ações ambientais a difusão de outros 2 R’s (refletir e recusar).
Enquanto os 3 R’s se referem aos momentos pós-compra, os dois fazem alusão a pré-compra. Refletir a necessidade de adquirir algo e, então, decidir se será feita a recusa da compra do produto. Portanto, um importante papel que deve ser delegado aos gestores.
Havendo uma maior reflexão se algo é necessário e analisando melhor a possibilidade de se recusar a compra, a produção desenfreada nas indústrias sofre uma redução. Consequentemente, a extração de recursos naturais é garantidamente amenizada, contribuindo para a preservação do meio ambiente.
Dessa forma, a ideia dos 5 R’s aplicados em conjunto garante um melhor resultado para todos, e com toda certeza, o planeta agradece!
Texto (©) Copyright Natália Mendonça / Imagens (©) Copyright Daniel Capella e WikiCommons (adaptado)